Neste artigo, discuto elementos do cuidado compassivo, reviso algumas pesquisas sobre o papel da espiritualidade nos cuidados de saúde, destaco as vantagens de compreender a espiritualidade dos pacientes, explico formas de praticar o cuidado espiritual e resumo alguns esforços de muitos profissionais da saúde para incorporar a espiritualidade na medicina.

*

Como Ajudar os Pacientes a Encontrarem Significado Diante do Sofrimento da Doença?

*

A palavra compaixão significa “sofrer com”. O cuidado compassivo convoca os médicos a acompanharem as pessoas em meio à sua dor, a serem parceiros dos seus pacientes, em vez de serem apenas especialistas que lhes ditam informações.

Victor Frankl, um psiquiatra que escreveu sobre as suas experiências num campo de concentração nazista, escreveu: “O homem não é destruído pelo sofrimento; ele é destruído pelo sofrimento sem sentido”. Um dos desafios que os médicos enfrentam é ajudar as pessoas a encontrarem significado e aceitação em meio ao sofrimento e às doenças crônicas.

Os especialistas em ética médica nos lembram que a religião ou ter uma vida espiritualizada, constituem a base do significado e do propósito existencial para muitas pessoas. Ao mesmo tempo, enquanto muitos pacientes lutam com os aspectos físicos da doença, também sentem outras dores como: dores relacionadas ao sofrimento mental e espiritual que atravessam, sentindo fortemente uma incapacidade de abordar as questões mais profundas da vida.

Os pacientes geralmente fazem perguntas como as seguintes: Por que isso está acontecendo comigo agora? O que acontecerá comigo depois que eu morrer? Minha família sobreviverá à minha perda? Sentirei falta? Serei lembrado? Existe um Deus? Se sim, ele estará lá para mim? Terei tempo para terminar o trabalho da minha vida?

CASOS COMENTADOS:

 Um médico que trabalhava na unidade de terapia intensiva pediátrica de um hospital,  me contou sobre seu pânico quando os pais de seus pacientes faziam tais perguntas. É muito difícil saber o que dizer; pois não há respostas reais. No entanto, as pessoas desejam que os seus médicos, bem como as suas famílias e amigos, fiquem com elas e as apoiem na luta A c contra a doença. A cura não é possível para muitas doenças, mas acredito firmemente que sempre há espaço para algum nível de cura. A cura pode ser vivenciada como aceitação da doença e a paz com a vida mesmo que esteja no final. Esta cura, acredito, é em sua essência profundamente espiritual.

Os exemplos que são tantos,  ilustram maneiras de lidar com questões relacionadas ao significado da vida. Muitos estudos já mostraram que as pessoas desejam muito ser lembradas após a morte. Alguns desejam realizar esse desejo por meio da sua família e outros ainda por meio das realizações sociais que tiveram ou até do impacto de suas vidas nas vidas de outras pessoas.

Uma pacientes com câncer de ovário há 7 anos e meio, recentemente teve o câncer metastatizado e não responde mais à quimioterapia. Ela esteve envolvida em palestras de estudantes de medicina por um período de duas semanas a cada semestre, falando sobre cuidados médicos do ponto de vista do paciente. Agora que está enfrentando o fim de sua vida, ela está determinada a continuar assistindo essas palestras; pois ela encontra propósito no impacto significativo que a sua fala teve sobre os futuros médicos.

Sua equipe de tratamento conseguiu contornar certos protocolos terapêuticos para permitir que ela alcançasse seus sonhos e objetivos. Outra paciente estava morrendo de câncer de mama e de ovário, aos 30 e poucos anos, e estava muito deprimida. Os antidepressivos não estavam ajudando. Ao conversar com ela, entendemos a causa de seu sofrimento que era  o profundo medo de que sua filhinha de 2 anos não se lembrasse dela. Sugeri que ela fizesse um diário para deixar à filha; as enfermeiras do hospital gravaram em vídeo suas mensagens para os filhos dessa moça. Essas atividades ajudaram a resolver sua depressão, felizmente.

A espiritualidade tem sido reconhecida por muitos autores como uma tarefa integral de desenvolvimento para aqueles que estão morrendo. Infelizmente, as pessoas que estão morrendo são frequentemente ignoradas.Como esses pacientes lidam com questões de transcendência, eles precisam de alguém que esteja presente com eles e os apoie nesse processo. Precisamos defender sistemas de cuidados em que isso possa acontecer.

 Estar na presença de pessoas que estão lutando e são capazes de transcender o sofrimento e a dor e ver a vida de uma maneira diferente é inspirador para mim e sou grato por essas experiências.

 

PESQUISA SOBRE O PAPEL DA ESPIRITUALIDADE NA SAÚDE:

O efeito da espiritualidade na saúde é uma área de pesquisa extremamente ativa no momento. Além de ser estudado por médicos, é estudado por nós psicólogos e também por outros profissionais. Os estudos tendem a se enquadrar em três áreas principais: mortalidade, enfrentamento e recuperação.

Mortalidade:

Alguns estudos observacionais sugerem que as pessoas que têm práticas espirituais regulares tendem a viver mais. Outro estudo aponta para um possível mecanismo: a interleucina (IL)-6, ou seja, níveis aumentados de IL-6 estão associados a um aumento na incidência de doenças. Um estudo envolvendo 1.700 adultos mais velhos mostrou que aqueles que frequentavam a igreja tinham metade da probabilidade de ter níveis elevados de IL-6. Os autores levantaram a hipótese de que o compromisso religioso pode melhorar o controle do estresse, oferecendo melhores mecanismos de enfrentamento, apoio social mais rico e a força dos valores pessoais e da visão de mundo.

Lidar com a Doença:

Pacientes espiritualizados podem utilizar beneficamente as suas crenças espiritualizadas para lidarem com doenças, dores e estresses da vida. Alguns estudos indicam fortemente que quem é espiritualizado tende a ter uma visão mais positiva de si, do outro e do mundo, e consequentemente uma melhor qualidade de vida. Por exemplo, pacientes com câncer avançado e que encontraram conforto nas suas crenças religiosas e espirituais são mais satisfeitos com as suas vidas, são mais felizes mesmo diante da doença e apresentam menos dor. A espiritualidade é uma parte essencial do “domínio existencial” medido em escores científicos de qualidade de vida. Relatos positivos sobre essas medidas (uma existência pessoal significativa) resultam que o sentimento é de cumprimento dos objetivos de vida e uma percepção de que a vida até aquele ponto valeu a pena. Essas descobertas correlacionam-se com uma boa qualidade de vida para pacientes com doença avançada .

Alguns estudos também analisaram o papel da espiritualidade em relação à dor. Um estudo mostrou que o bem-estar espiritual estava relacionado à capacidade de aproveitar a vida mesmo em meio aos sintomas, incluindo a dor. Isto sugere que a espiritualidade pode ser um alvo clínico importante. Os resultados de um questionário sobre dor distribuído pela American Pain Society à pacientes hospitalizados mostraram que a oração pessoal era o método não medicamentoso mais comumente usado para controlar a dor. Foi visto que 76% dos pacientes fizeram uso dela. Neste estudo, a oração como método de controle da dor foi usada com mais frequência do que analgésicos intravenosos (66%), injeções para dor (62%), relaxamento (33%), toque (19%) e massagem (9%). A medicação para dor é muito importante e deve ser usada, mas vale a pena considerar também outras formas de lidar com a dor.

Espiritualidade e o Lidar com a Morte:

Definitivamente hoje em dia já temos certeza de que as crenças espirituais podem ajudar os pacientes a lidarem com a doença e a enfrentarem a morte. Quando questionadas sobre o que as ajudou a lidar com o câncer ginecológico, 93% das 108 mulheres pesquisadas citaram crenças espirituais. Além disso, 75% dessas pacientes afirmaram que a religião ocupava um lugar significativo em suas vidas e 49% disseram que se tornaram mais espirituais após o diagnóstico.

Entre 90 pacientes soropositivos, aqueles que eram espiritualmente ativos tinham menos medo da morte e menos sentimento de culpa. Uma pesquisa aleatória do Gallup perguntou às pessoas quais preocupações elas teriam se estivessem morrendo e as suas principais questões eram encontrar companheirismo e conforto espiritual – escolhidos em detrimento de coisas materiais como preocupações econômicas/financeiras e até preocupações sociais. Os entrevistados citaram diversas garantias espirituais que lhes dariam conforto. As garantias espirituais mais comuns citadas foram crenças de que estariam na presença amorosa de Deus ou de um poder superior e que a morte não era o fim, mas uma passagem, e que viveriam através dos seus filhos e descendentes .

O LUTO:

O luto é um dos maiores estresses da vida. Um estudo com 145 pais cujos filhos morreram de câncer descobriu-se que 80% receberam conforto de suas crenças religiosas até 1 ano após a morte do filho. Esses pais tiveram melhor ajustamento fisiológico e emocional nesse enfrentamento. Além disso, 40% desses pais relataram um fortalecimento do seu próprio compromisso religioso ao longo do ano anterior à morte dos seus filhos .

Estas descobertas não são surpreendentes, mas ouví-las repetidas vezes em grupos focais, nos escritos e nas histórias dos pacientes é muito importante. Quando as pessoas são desafiadas por algo como uma doença grave ou uma perda, recorrem frequentemente a valores espirituais para serem ajudadas a lidarem com a doença ou com a perda.

Recuperação através de Nossas Crenças Pessoais:

O compromisso espiritual é remédio. Esse tipo de compromisso tende a melhorar a recuperação de doenças e cirurgias. Por exemplo, um estudo com pacientes transplantados cardíacos mostrou que aqueles que participaram de atividades religiosas e disseram que as suas crenças eram importantes aderiram melhor ao tratamento de acompanhamento, melhoraram o funcionamento físico nas consultas de acompanhamento por 12 meses, assim como tiveram níveis mais elevados de auto-estima, apresentaram  menos ansiedade e menos preocupações com a saúde. udo leva a crer através dos estudos que a espiritualidade permita que as pessoas se preocupem menos, deixem-se levar e vivam o momento presente.

Relacionado à espiritualidade está a atuação do poder da esperança e do pensamento positivo. Em 1955, Beecher mostrou que entre 16% e 60% dos pacientes – uma média de 35% – se beneficiaram ao receber um placebo para dor, tosse, alterações de humor induzidas por medicamentos, dores de cabeça, enjôo ou resfriado comum quando informados de que o placebo era um medicamento para sua condição.

Agora, os placebos são usados ​​apenas em ensaios clínicos e, mesmo assim, geralmente cerca de 35% das pessoas respondem a eles. O estudo do “efeito placebo” levou à conclusão de que as nossas crenças são poderosas e podem influenciar os resultados da nossa saúde. Herbert Benson, um conhecido cardiologista da Harvard School of Medicine, renomeou o efeito placebo como “bem-estar lembrado”.

Todos nós podemos ver isso como uma capacidade pessoal de explorarmos os nossos recursos internos e subjetivos  como remédio para nos curar. Benson, e eu também vemos que a relação médico-paciente tem efeito placebo maravilhosos – ou seja, a relação em si é uma parte importante do processo terapêutico de cura de um paciente. Benson sugere que existem 3 componentes que contribuem para o efeito placebo da relação médico-paciente: crenças e expectativas positivas por parte dos pacientes, crenças e expectativas positivas por parte do médico ou profissional de saúde e um bom relacionamento entre as duas partes.

Foi demonstrado de maneira muito eficaz de que práticas espirituais específicas melhoram altamente os resultados de saúde. Na década de 1960, Benson iniciou pesquisas sobre o efeito das práticas espirituais na saúde. Algumas pessoas que praticavam meditação transcendental abordaram-no na década de 1960 e pediram-lhe que determinasse se a meditação tinha efeitos benéficos ou não para a saúde.

Ele descobriu que 10 a 20 minutos de meditação duas vezes ao dia levam à diminuição do metabolismo, diminuição da frequência cardíaca, diminuição da frequência respiratória e ondas cerebrais mais lentas. Além disso, a prática foi benéfica para o tratamento da dor crônica, insônia, ansiedade, hostilidade, depressão, síndrome pré-menstrual e infertilidade e foi um complemento útil ao tratamento de pacientes com câncer ou VIH. Ele chamou isso de “resposta de relaxamento”.

Diferentes estudos sugerem que 60% a 90% de todas as visitas de pacientes aos consultórios de cuidados primários estão relacionadas ao estresse. Como psicóloga, ensino a resposta de relaxamento a muitos dos meus pacientes e já descobrí que ela é particularmente útil para pacientes com dores crônicas, pressão alta, dores de cabeça e síndrome do intestino irritável. O paciente precisa praticar a técnica em casa num ambiente com bastante tranquilidade.

 

VANTAGENS DE FAMILIARIZAR-SE COM A ESPIRITUALIDADE DOS PACIENTES:

Será que os pacientes querem que os médicos abordem sua espiritualidade? Estudos científicos dessa área também abordaram essa questão. Na pesquisa  sobre fé e saúde nos EUA , 65% acharam que era bom que os médicos falassem com eles sobre suas crenças espirituais, mas apenas 10% disseram que um médico teve essa conversa com eles.

Um outro estudo com pacientes ambulatoriais pulmonares na Universidade da Pensilvânia descobriu que 66% concordaram que a investigação de um médico sobre crenças espirituais fortaleceria sua confiança em seu médico; 94% dos pacientes para quem a espiritualidade era importante queriam que os seus médicos abordassem as suas crenças espirituais e fossem sensíveis à sua estrutura de valores. Mesmo 50% daqueles para quem a espiritualidade não era importante achavam que os médicos deveriam pelo menos perguntar sobre crenças espirituais em casos de doenças graves.

 

Do ponto de vista médico, compreender a espiritualidade dos pacientes também é bastante valioso

*

ASPECTOS DO CUIDADO ESPIRITUAL:

O que está envolvido no atendimento aos pacientes e na prestação de cuidados compassivos? Os médicos podem começar com o seguinte:

  • Praticar a presença compassiva – ou seja, estar totalmente presente e atento aos seus pacientes e apoiá-los em todo o seu sofrimento: físico, emocional e espiritual
  • Ouvir os medos, esperanças, dores e sonhos dos pacientes
  • Conversar com os pacientes sobre suas histórias espirituais
  • Estar atento a todas as dimensões dos pacientes e suas famílias: corpo, mente e espírito
  • Incorporar práticas espirituais conforme o apropriado
  • Envolver capelães como membros da equipe interdisciplinar de saúde

 

Ao longo dessas atividades, é importante compreender os limites profissionais. O aconselhamento espiritual aprofundado deve ocorrer sob a direção de capelães e outros líderes espirituais escolhidos pelos familiares, visto que são eles os especialistas. O médico não deve iniciar a oração com os pacientes, pois isso confunde a fronteira entre médico e clero.

Liderar a oração envolve habilidades e treinamento específicos que os médicos não possuem. Além disso, um médico que conduz uma oração pode conduzir uma oração de acordo com sua tradição, o que pode ser ofensivo ou inapropriado para o paciente. Se o paciente solicitar oração, o médico pode ficar em silêncio enquanto o paciente ora em sua tradição ou pode entrar em contato com o capelão para conduzir uma oração. Finalmente, a história espiritual é centrada no paciente, e fazer proselitismo e ridicularizar as crenças dos pacientes não é jamais aceitável.

É importante reconhecer que os pacientes procuram os médicos em busca de atendimento para sua condição médica. Ao prestar estes cuidados, os médicos podem ser respeitosos e compreender a dimensão espiritual na vida dos pacientes. Mas ir além disso, por exemplo, liderar orações ou fornecer aconselhamento espiritual aprofundado, é inapropriado. Os médicos estão em uma posição de poder com os pacientes. A maioria dos pacientes chega até nós em momentos vulneráveis. Se o médico sugerir uma determinada religião/crença espiritual ou ridicularizar a crença de um paciente, o paciente poderá adotar a crença ou falta de crença desse médico por medo de discordar de uma autoridade percebida. Portanto, é fundamental que, ao discutir questões espirituais com os pacientes, o médico ouça e apoie, e não oriente ou lidere.

Muitos médicos ainda não estão familiarizados com histórias espirituais de seus pacientes.  .